ASPECTO FILOSÓFICO
E A PERSPECTIVA DO SER
ALLAN KARDEC
Livro consultado: O LIVRO O CÉU E O INFERNO
Tradução de Manoel Quintão
Cap: IV: de 01 a 88
Publicado
em: 02/01/2017.
Continuação
da Pág. 59
Esboço do inferno
cristão
1ª PARTE – CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO V
O PURGATÓRIO
Continuação
da pg. 62
1. -
O Evangelho não faz menção alguma do purgatório, que só foi admitido pela
Igreja no ano de 593. É incontestavelmente um dogma mais racional e mais conforme
com a justiça de Deus que o inferno, porque estabelece penas menos rigorosas e
resgatáveis para as faltas de gravidade mediana. O princípio do purgatório é,
pois, fundado na equidade, porque, comparado à justiça humana, é a detenção
temporária a par da condenação perpétua. Que julgar de um país que só tivesse a
pena de morte para os crimes e os simples delitos? Sem o purgatório, só há para
as almas duas alternativas extremas: a suprema felicidade ou o eterno suplício.
E nessa hipótese, que seria das almas somente culpadas de ligeiras faltas? Ou
compartilhariam da felicidade dos eleitos, ainda quando imperfeitas, ou
sofreriam o castigo dos maiores criminosos, ainda quando não houvessem feito
muito mal, o que não seria nem justo, nem racional.
2. -
Mas, necessariamente, a noção do purgatório deveria ser incompleta, porque
apenas conhecendo a penalidade do fogo fizeram dele um inferno menos tenebroso,
visto que as almas aí também ardem, embora em fogo mais brando. Sendo o dogma
das penas eternas incompatível com o progresso, as almas do purgatório não se
livram dele por efeito do seu adiantamento, mas em virtude das preces que se
dizem ou que se mandam dizer em sua intenção. E se foi bom o primeiro pensamento,
outro tanto não acontece quanto às consequências dele decorrentes, pelos abusos
que originaram. As preces pagas transformaram o purgatório em mina mais rendosa
que o inferno. (1)
3.
Jamais foram determinados e definidos claramente o lugar do purgatório e a natureza
das penas aí sofridas. A Nova Revelação estava reservado o preenchimento dessa
lacuna, explicando-nos a causa das terrenas misérias da vida, das quais só a pluralidade
das existências poderia mostrar-nos a justiça. Essas misérias decorrem
necessariamente das imperfeições da alma, pois se esta fosse perfeita não
cometeria faltas nem teria de sofrer-lhe as consequências. O homem que na Terra
fosse em absoluto sóbrio e moderado, por exemplo, não padeceria enfermidades oriundas
de excessos.
O
mais das vezes ele é desgraçado por sua própria culpa, porém, se é imperfeito,
é porque já o era antes de vir à Terra, expiando não somente faltas atuais, mas
faltas anteriores não resgatadas. Repara em uma vida de provações o que a outrem
fez sofrer em anterior existência. As vicissitudes que experimenta são, por sua
vez, uma correção temporária e uma advertência quanto às imperfeições que lhe cumpre eliminar de si, a fim de evitar males e
progredir para o bem. São para a alma lições da experiência, rudes às vezes,
mas tanto mais proveitosas para o futuro, quanto profundas as impressões que
deixam. Essas vicissitudes ocasionam incessantes lutas que lhe desenvolvem as
forças e as faculdades intelectivas e morais. Por essas lutas a alma se
retempera no bem, triunfando sempre que tiver denodo para mantê-las até ao fim.
__________
(1) O
purgatório originou o comércio escandaloso das indulgências, por intermédio das
quais se vende a entrada no céu. Este abuso foi a causa primaria da
Reforma,
levando Lutero a rejeitar o purgatório.
__________
O
prêmio da vitória está na vida espiritual, onde a alma entra radiante e triunfadora
como soldado que se destaca da refrega para receber a palma gloriosa.
4. -
Em cada existência, uma ocasião se depara à alma para dar um passo avante; de
sua vontade depende a maior ou menor extensão desse passo: franquear muitos
degraus ou ficar no mesmo ponto. Neste último caso, e porque cedo ou tarde se
impõe sempre o pagamento de suas dívidas, terá de recomeçar nova existência em condições
ainda mais penosas, porque a uma nódoa não apagada ajunta outra nódoa.
É,
pois, nas sucessivas encarnações que a alma se despoja das suas imperfeições,
que se purga, em uma palavra, até que esteja bastante pura para deixar os
mundos de expiação como a Terra, onde os homens expiam o passado e o presente,
em proveito do futuro. Contrariamente, porém, à ideia que deles se faz, depende
de cada um prolongar ou abreviar a sua permanência, segundo o grau de adiantamento
e pureza atingido pelo próprio esforço sobre si mesmo. O livramento se dá, não
por conclusão de tempo nem por alheios méritos, mas pelo próprio mérito de cada
um, consoante estas palavras do Cristo: - A cada um, segundo as suas obras, palavras
que resumem integralmente a justiça de Deus.
5. -
Aquele, pois, que sofre nesta vida pode dizer-se que é porque não se purificou
suficientemente em sua existência anterior, devendo, se o não fizer nesta, sofrer
ainda na seguinte. Isto é ao mesmo tempo equitativo e lógico. Sendo o sofrimento
inerente à imperfeição, tanto mais tempo se sofre quanto mais imperfeito se for,
da mesma forma por que tanto mais tempo persistirá uma enfermidade quanto maior
a demora em tratá-la. Assim é que, enquanto o homem for orgulhoso, sofrerá as consequências
do orgulho; enquanto egoísta, as do egoísmo.
6. -
Devido às suas imperfeições, o Espírito culpado sofre primeiro na vida espiritual,
sendo-lhe depois facultada a vida corporal como meio de reparação. É por isso
que ele se acha nessa nova existência, quer com as pessoas a quem ofendeu, quer
em meios análogos àqueles em que praticou o mal, quer ainda em situações
opostas à sua vida precedente, como, por exemplo, na miséria, se foi mau rico,
ou humilhado, se orgulhoso.
A
expiação no mundo dos Espíritos e na Terra não constitui duplo castigo para eles,
porém um complemento, um desdobramento do trabalho efetivo a facilitar o progresso.
Do Espírito depende aproveitá-lo. E não lhe será preferível voltar à Terra, com
probabilidades de alcançar o céu, a ser condenado sem remissão, deixando-a definitivamente?
A concessão dessa liberdade é uma prova da sabedoria, da bondade e da
justiça de Deus, que quer que o homem tudo deva aos seus esforços e seja o obreiro
do seu futuro; que, infeliz por mais ou menos tempo, não se queixe senão de si mesmo,
pois que a rota do progresso lhe está sempre franca.
7. -
Considerando-se quão grande é o sofrimento de certos Espíritos culpados no
mundo invisível, quanto é terrível a situação de outros, tanto mais penosa pela
impotência de preverem o termo desses sofrimentos, poder-se-ia dizer que se
acham no inferno, se tal vocábulo não implicasse a ideia de um castigo eterno e
material.
Mercê,
porém, da revelação dos Espíritos e dos exemplos que nos oferecem, sabemos que
o prazo da expiação está subordinado ao melhoramento do culpado. 8. - O
Espiritismo não nega, pois, antes confirma, a penalidade futura. O que ele destrói
é o inferno localizado com suas fornalhas e penas irremissíveis. Não nega, outrossim,
o purgatório, pois prova que nele nos achamos, e definindo-o precisamente, e
explicando a causa das misérias terrestres, conduz à crença aqueles mesmos que
o negam. Repele as preces pelos mortos? Ao contrário, visto que os Espíritos
sofredores as solicitam; eleva-as a um dever de caridade e demonstra a sua eficácia
para os conduzir ao bem e, por esse meio, abreviar-lhes os tormentos (1).
Falando à inteligência, tem levado a fé a muito incrédulo, incutindo a prece no
ânimo dos que a escarneciam. O que o Espiritismo afirma, é que o valor da prece
está no pensamento e não nas palavras, que as melhores preces são as do coração
e não dos lábios, e, finalmente, as que cada qual murmura de si mesmo e não as
que se mandam dizer por dinheiro. Quem, pois, ousaria censurá-lo?
9. -
Seja qual for a duração do castigo, na vida espiritual ou na Terra, onde quer que
se verifique, tem sempre um termo, próximo ou remoto. Na realidade não há para
o Espírito mais que duas alternativas, a saber: - punição temporária e
proporcional à culpa, e recompensa graduada segundo o mérito. Repele o
Espiritismo a terceira alternativa, da eterna condenação. O inferno reduz-se a
figura simbólica dos maiores sofrimentos cujo termo é desconhecido. O
purgatório, sim, é a realidade.
A
palavra purgatório sugere a ideia de um lugar circunscrito: eis por que mais naturalmente
se aplica à Terra do que ao Espaço infinito onde erram os Espíritos sofredores,
e tanto mais quanto a natureza da expiação terrena tem os caracteres da verdadeira
expiação.
Melhorados
os homens, não fornecerão ao mundo invisível senão bons Espíritos; e estes,
encarnando-se, por sua vez só fornecerão à Humanidade corporal elementos
aperfeiçoados. A Terra deixará, então, de ser um mundo expiatório e os homens
não sofrerão mais as misérias decorrentes das suas imperfeições. Aliás, por
esta transformação, que neste momento se opera, a Terra se elevará na
hierarquia dos mundos.
10. -
Mas, por que não teria o Cristo falado do purgatório? É que, não existindo a ideia,
não havia palavra que a representasse.
Vede
O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XXVII - "Ação da prece". (2)
Idem, cap. III - "Progressão dos mundos".
O
Cristo serviu-se da palavra inferno, a única usada, como termo genérico, para designar
as penas futuras, sem distinção. Colocasse ele, ao lado da palavra inferno, uma
equivalente a purgatório e não poderia precisar-lhe o verdadeiro sentido sem
ferir uma questão reservada ao futuro; teria, enfim, de consagrar a existência
de dois lugares especiais de castigo. O inferno em sua concepção genérica,
revelando a ideia de punição, encerrava, implicitamente, a do purgatório, que
não é senão um modo de penalidade.
Reservado
ao futuro o esclarecimento sobre a natureza das penas, competia-lhe igualmente
reduzir o inferno ao seu justo valor. Uma vez que a Igreja, após seis séculos,
houve por bem suprir o silêncio de Jesus quanto ao purgatório, decretando-lhe a
existência, é porque ela julgou que ele não havia dito tudo. E por que não
havia de dar-se sobre outros pontos o que com este se deu?
Continua
na pg. 68.
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